A síndrome do colapso das abelhas

A perda dos habitats, o uso de agrotóxicos e as mudanças climáticas podem estar relacionados com a diminuição na quantidade e na variedade do inseto.

Não há monitoramento governamental sobre a situação das abelhas no Brasil. Quem confirma a informação é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em contato feito para esta reportagem. Segundo a Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A), são pouco os estados brasileiros que fazem levantamentos sobre o assunto – mas, quando existem, são focados nas abelhas com ferrão.

A preocupação com os insetos polinizadores é recente, surgida depois de um grande desaparecimento nos Estados Unidos. Foi no ano de 2006, a partir de relatos de mortalidade repentina. Com essa situação nasceu o termo Colony Collapse Disroder (CCD), traduzido como Síndrome do Colapso das Abelhas. Com esse acentuado declínio nas populações de abelhas, pesquisadores do mundo inteiro começaram a pesquisar para buscar explicar as causas e consequências desse fenômeno, como o próprio desaparecimento da flora no mundo todo.

Dez anos depois, uma pesquisa feita pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Cientificas em Serviços de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) indicou que 9% das espécies existentes na Europa estão em perigo de extinção, além da redução identificada de 37% das demais espécies. Não há dados disponíveis e confiáveis para apontar o cenário na África, na Ásia e na América Latina. Mas o relatório do IPBES sugere que 40% de espécies de abelhas no mundo estão ameaçadas de extinção. No Brasil, 90 espécies de abelhas-sem-ferrão, que representam 30% das espécies de abelhas nativas, correm o risco de desaparecer.

O CCD considera diversos fatores que atuam ao mesmo tempo e que podem ocasionar a perda das abelhas. Um deles é natural: o comportamento da própria biodiversidade através das constantes competições entre os insetos por recursos florais e por locais para a construção das colmeias. Há também ameaças por motivos ambientais, como por exemplo, o desmatamento; as queimadas, enchentes, a poluição do ar e até o aquecimento global, que resulta em perda ou modificação drástica nas condições de habitat.

Mas a provável principal causa de perda de abelhas está relacionada a pesticidas e agrotóxicos, como herbicidas, fungicidas, neonicotinoides, que são derivados da nicotina, que já foram proibidos fora do Brasil e por aqui ainda são utilizados em plantações. O relatório da IPBES aponta que 70% das espécies encontradas mortas foram intoxicadas.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) afirmou não ter nenhum tipo de ação governamental no sentido de avaliar o efeito dos agrotóxicos sobre as populações do inseto no Brasil. “As ocorrências de mortalidades de abelhas por intoxicação não são um agravo infeccioso (causado por vírus bactérias ou fungos), portanto não estão sob a competência direta do nosso programa sanitário”, informou.

Os últimos governantes estão liberando cada vez mais o uso de agrotóxicos e pesticidas. Todo dia é uma liberação diferente. É preciso ter uma preocupação ambiental. O país e as cidades precisam pensar mais sobre isso, pois a questão do sumiço das abelhas é alarmante

diz o apicultor Júlio Pereira.

Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o uso de agrotóxico no país são de 2016. De acordo com o levantamento a região Centro-Oeste foi a que mais utilizou produtos químicos na lavoura. Foram aproximadamente 166 mil toneladas ao ano. Na sequência no ranking estão o Sul seguido (127,6 mil t), o Sudeste (110,8 mil t), o Nordeste (50,1 mil t) e, por último, o Norte (18 mil t). Na soma foram utilizadas 508,8 mil toneladas de agrotóxicos em 2016, sendo 58% eram de herbicidas, 12% de inseticidas derivados da nicotina e 11% de fungicidas, algumas das principais composições que levam a morte das abelhas.

No ano seguinte, em 2017, segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a agricultura brasileira usou em torno de 539,9 mil toneladas de agrotóxicos. Como são estudos diferentes, que podem ter usado metodologias singulares, a comparação não é indicada, mas aponta para o aumento na quantidade usada, na faixa de quase 10% de um ano para o outro. No infográfico a seguir, é possível ver a proporção de consumo de agrotóxico por área plantada em cada estado.

Os componentes dos agrotóxicos são absorvidos pelos lipídios dos grãos de pólen. Quando tocam nas flores, as abelhas acabam contaminadas. Os produtos químicos causam alteração direta na membrana que transmite um impulso elétrico entre as células nervosas. Quando não causam a morte, provocam efeitos considerados subletais, pois levam à desorientação do voo (fazendo com que não consigam voltar para a colmeia) e afetando a reprodução.

Além disso, quando coletam o pólen de uma flor com agrotóxico acabam por levar para outras plantas, fazendo o agrotóxico ir muito mais além do local onde foi aplicado, atingindo mais colmeias, pois a tarefa diária que as abelhas exercem é conhecida por polinização, principal método para a conservação e manutenção do ecossistema brasileiro.

A polinização das abelhas é uma parte importante para a existência dos alimentos que nós temos: uma em cada três refeições feitas por nós, no nosso dia a dia, só é possível por causa delas

conta o agroecólogo Felipe Thiago de Jesus, especialista em agroecossistemas.

Com a diminuição das abelhas, devido ao uso de agrotóxicos, há uma queda na oferta de vegetais, que, diretamente ou indiretamente, são as principais fontes de alimento para os seres humanos. A perda das abelhas prejudica diretamente as atividades de polinização nos ecossistemas naturais e nas áreas agrícolas, podendo comprometer a manutenção da reprodução das plantas. O equilíbrio existente no ecossistema brasileiro tem como base a polinização feita pelas abelhas.